domingo, 30 de maio de 2010

A Dama das Flores. - Cap. VI

Chegaram de madrugada na rodoviária, Giovanni dormira a viagem inteira e Roberto ficara acordado, jogando algum rpg eletrônico no laptop.




- Vai pra casa direto? - O loiro perguntou, enquanto seguiam em direção ao ponto de táxi.




- Quem dera. Lúcio acabou de me mandar um sms, preciso passar em Ninfotopia antes. - O negro parecia mau-humorado, olhando a tela de seu celular.




- Problemas no paraíso? - Debochou o pintor.




- No dele, deve ser, a mulher não o deixa em paz. Ele fica tendo que ir pra casa cedo e a boate não pode ficar abandonada.




- Que merda de sócio tu arrumou, o trabalho inteiro é teu, mas o cara tem a parte dele na grana.




- Ele administra a casa melhor do que eu, sem falar que a grana de entrada foi dele. - Contra-argumentou Roberto.




- Que seja, cara, só sei que eu vou pra casa, dormir por uma semana. - Falou, entrando no táxi que acabara de chegar.




- Valeu cara, se cuida. - Despediu-se o amigo.




Giovanni apenas acenou com a cabeça, antes de fechar a porta. Roberto esperou que o táxi virasse a esquina, se virou e foi em direção a uma imensa moto negra, parada no final da rua. Aquele não era um dos lugares mais seguros do Rio de Janeiro e, com certeza, a moto não teria ficado inteira se estivesse lá a muito tempo. Deu um sorriso de canto. "Timing perfeito, Lucius."
Montou no veiculo e saiu do queimando o asfalto, numa velocidade surreal. Ele desviava de todos os obstáculos com uma habilidade inumana e seguia cada vez mais rápido, dificilmente veriam algo mais do que um borrão escuro riscando as avenidas desertas do centro as 3:00h da manhã.

Em menos de 30 minutos estava em frente ao Campo de Santana, na Avenida Presidente Vargas. Parou a moto e viu alguns moleques sentados na saída da estação do metrô. Pareciam estar cheirando benzeno e mal olharam pra ele. Roberto desceu da moto e puxou o descanso para que ela não caísse, agora os garotos olhavam pra ele.



Começou a andar em direção ao parque, usava botas negras de montaria, uma calça jeans escura, uma camisa azul básica e uma jaqueta de couro preta. Um dos moleques parou na frente dele e falou.




- Tem um real, tio? Tô com fome. - O garoto era magro e tremia de frio, mas os olhos vermelhos e o cheiro de bebida barata deixava claro pra que serviria o dinheiro.




- Não sou seu tio e não dou dinheiro pra vagabundo. Vaza moleque. - Respondeu ele indiferente, seguindo em frente sem olhar pro garoto.




- Pô, qual é, só um real, tio, quê que custa?




- Custa um real, agora me deixa em paz. - Ele continuava, seguindo em direção a esquina do Saara.




- Ah, é? Então vai ser na marra! Passa tudo! - O pivete falou, parando na frente de Roberto com um canivete em punho.




O negro olhou para aquela criança que tinha pouco mais da metade de seu tamanho, o garoto vestia trapos e sua mão tremia devido ao vício. Quão decadente um humano poderia ser? Até onde se permitiam chegar? Aquilo era patético.




- Garoto, olha pra você, quer mesmo brigar comigo? - Tentou ainda argumentar. Os outros garotos de rua viam a cena curiosos, sem se intrometer.




- Não quero brigar não, mané, eu quero é a tua grana e a chave da moto, bora! - O pivete gritava, como se isso o tornasse mais ameaçador.




- Me deixa passar. - Falou o homem, dando um passo a frente. O moleque tremeu, mas não se retirou. - Moleque... Me deixa passar! - Bradou, empurrando o garoto tão rápido e com tanta força que este voou até o meio da pista. Sua sorte era naquele horário pouquíssimas pessoas se arriscarem a passar pelo centro da cidade.




Roberto ficou olhando para ele se levantar e sair correndo. Os outros garotos ficaram quietos, sem quererem apanhar também. Finalmente ele entrou na esquina e seguiu até um ponto em que dificilmente seria visto, escalou as grades como facilidade e pulou num canteiro dentro do parque, espantando diversos gatos vira-latas no processo.




- Hunf, animais imundos. - Murmurou, seguindo mais para dentro no parque, que servia de moradia para diversos vagabundos e para... - Achei! - murmurou, dando um sorriso vitorioso e se escondendo entre as arvores e arbustos para não ser visto.




Observava duas garotas que aparentavam ter 5 anos, gordinhas e baixinhas, de membros roliços. Tinham cabelos cacheados azuis e grandes olhos multifocais verdes, como os de borboletas. Voavam, erguidas por asas rosas translucidas, em volta de um garotinho moreno, de olhos castanhos, que tentava tocá-las, encantado. Mas sempre que ele se aproximava, as duas voavam mais alto e riam, alto e estridentemente, enquanto continuavam com essa brincadeira. Os olhos do garoto estavam sem brilho e a roupa encharcada de suor indicava que a brincadeira já durava horas. O garotinho usava um short jeans curto, tornando possivel ver os joelhos ralados, provavelmente, devido as inúmeras quedas resultantes de tentativas de alcançar as garotas aladas.




- Vadias. - Murmurou Roberto, apertando a adaga que levava no pescoço.




Respirou fundo, se concentrando e a arma foi crescendo em suas mãos, até que nelas só coubesse o punho de uma espada curta e curva. Levantou-se da forma mais discreta que pode, com a lâmina em punho e ficou satisfeito ao ver que não havia sido notado. As fadas estavam interessadas demais em brincar com sua pequena vítima. Não o viram, não sentiram seu cheiro, não ouviram seus passos. Ele moveu-se em uma velocidade sobrenatural e passou por ambas fazendo um arco perfeito, parou de costas para ambas e virou-se a tempo de ver as pequenas cabeças gordinhas indo ao chão, sendo seguidas dos corpos. Pegou o garoto no colo e este, livre do encantamento, nem mesmo foi capaz de chorar antes de desmaiar por esgotamento. Deitou-o no chão por um instante.




Tornou a concentrar-se e a espada voltou ao tamanho de um pingente. Os corpos das fadas já não passavam de dois pequeno montes de poeira brilhante. Recolheu o máximo que pode em uma garrafa prateada, tipica de se levar whisky, e tornou a pegar o garoto no colo, levando-o para fora do parque.









Continua...
Essa imagem não me pertence. Todos os créditos ao autor.

domingo, 23 de maio de 2010

A Dama das Flores. - Cap. V

De repente ela se sentiu vazia, as lágrimas pararam, os soluços ficaram engasgados na garganta ferida pelos gritos. Sentiu como se uma lâmina fria atravessasse seu peito. Temendo saber a resposta, falou baixinho, em um sussurro, como se isso modificasse seu peso.
- Devo matá-lo, meu senhor.
- Sim, vil traidora, deves matá-lo e trazer-me todos os seus quadros, para que possamos queimá-los juntos. - Ela sentiu seu coração parar. Não podia acreditar que teria toda a obra feita em sua homenagem, sua definitiva imortalidade destruida pelas chamas. - Sim, minha ratinha desonesta, queimaremos esses quadros e, junto deles, a sua traição. - Parou de acariciar os fios verde-petróleo.

- Agora, pode se levantar. Faça o que veio fazer aqui e não volte a meu aposento sem os quadros do seu amante.
Respirou fundo, ainda de joelhos, sem conseguir levantar, sentindo como se algo tivesse quebrado dentro de si. Passaram-se alguns momentos até que ela conseguisse se levantar. O soberano assistia a tudo impassível como uma estátua de mármore. Andou a passos trôpegos até onde parecia haver um corpo humano.
Parou alguns segundos, para olhar a garota que estava encolhida naquele canto, a cabeça baixa. Tremia de medo ou de frio? Driade não saberia dizer. Estava nua, com algemas e correntes douradas prendendo seus membros. A fada se aproximou, buscando voltar a forma fria que possuía antes de entrar ali e tocou as costas da garota que lhe olhou com um pavor profundo. Era loira, de cabelos curtos e lisos, olhos grandes e castanhos. A garota de quem tinha roubado a aparência na noite anterior. Fez com que ela se levantasse e destrancou as correntes em seus pés, permitindo que a humana andasse. Viu o corpo coberto por manchas roxas e cicatrizes, provocadas pela violência de seu mestre ao se aproveitar daquela jovem. Ele podia se divertir com humanos e era cruel ao fazê-lo. Jogou uma manta negra nas costas da garota e começou a guiá-la por uma porta lateral daquela sala.
Essa era sua função, devia levar lindas humanas para que seu mestre desfrutasse. Então aproveitava para roubar suas roupas e aparências, usando-as para se encontrar com seu adorador humano. Era unir o útil ao agradável.
Guiou a garota por um túnel íngreme até que saíssem no meio da floresta. Estava de noite e a garota não devia conseguir ver nada.

- O-o que vão fazer comigo? - Sua voz tremia e ela apertava a manta negra em volta do corpo.
A fada suspirou, entendiada, empurrando a garota para que fosse em frente. A segunda etapa de seu trabalho era livrar-se das garotas, fez com que a garota andasse até cair de joelhos, exausta, ela chorava, suplicando piedade, sua voz estava fraca e apática.
- Por favor, eu já não posso mais, por... Favor.
Dríade quase sentiu pena daquela criatura, tão frágil e indefesa. Sua vida era tão breve quando um piscar de seus olhos mágicos. Humanos não eram importantes, eram malditos seres poluidores e artesãos de ferro. Eram todos idiotas, todos fracos, todos... Afundou as garras na coluna vertebral da garota. A morte foi instantânea e sem dor. Talvez algum dia algum companheiro dela a encontrasse, mas isso não era importante.
Voltou-se para seu caminho mantendo a expressão fria em sua face, sua próxima missão era matar a única criatura que já havia lhe admirado. Essa era a parte fácil, a difícil seria destruir todas as obras em sua homenagem.

Continua...

domingo, 16 de maio de 2010

A Dama das flores - Cap. IV

O sol já tornava a se pôr quando a fada acordou, apesar de não ser possivel saber isso por meios comuns naquele lugar. Sentia-se bem descansada e sem a menor vontade de levantar de sua cama confortável. Espreguiçou-se e levantou, sabia que não devia enrolar muito mais ali. Vestiu uma túnica leve, cor de creme, uma calça justa na cor verde-musgo e colocou uma couraça marrom, feita do tronco de alguma árvore, que fechava em sua cintura e ombros. Depois calçou botas que pareciam de montaria, feitas de um material escamoso e brilhante, num tom bruxuleante de dourado. Terminou calçando luvas de teias de aranha, com imensas garras de diamante em cada ponta de dedo. Estava pronta.
Saiu de seu quarto, atravesando as várias tiras de tecido furta-cor que só poderiam ser transpassadas com a sua prévia autorização. Seguiu em frente até o fim do corredor, onde uma imensa porta de madeira vermelha se erguia até o alto da parede. Em cada lado dela estava um guarda usando uma armadura parecida com a do capitão, apenas sem a ave dourada no peito. A fada abriu um sorriso cruel, que pareceu rasgar os cantos de sua boca.
- Abram a porta, queridinhos, ele não gosta de esperar. - Sua voz era fria e cruel, parecia ter se tornado outra pessoa.
Os guardas não demoraram a acatar a ordem, abrindo a imensa porta como se fosse feita de papel. A fada entrou calmamente no imenso salão de pedra, iluminado por estranhos cristais que davam ao ambiente um tom azulado.
- Você demorou. - Uma voz branda, de sexo indefinido, chegou até ela, vinda do fundo do aposento.
- Perdão, meu senhor, pensei ter mandado que voltasse em dois dias. - Respondeu subservente, como não era com nenhum outro ser.
- Aproxime-se.
Ela sentiu um tremor gelado percorrer seu corpo diante da ordem. Mas acatou, como não poderia deixar de ser, andando lentamente até o fundo do salão. Lá, sentado em um imenso trono, ricamente esculpido no cristal, estava um ser totalmente alvo. Andrógeno, usando uma longa túnica branca como a neve, de pele pálida e cabelos cor de sal. A única cor estava nos olhos, lábios e unhas, que eram de um vermelho vivo e brilhante. Dríade se ajoelhou aos pés da criatura, muito próxima deste.
- Deite sua cabeça em meu colo. - Ele tornou a ordenar, a voz era carinhosa, mas a enchia de pavor, a boca mal se mexia para formar palavras.
Sem ter alternativa, apoio sua cabeça nas pernas de seu sobrerano, sentindo um frio dominá-la, quando ele começou a passar a mão magra e delicada em seus cabelos.
- Minha pequena criança, por que teimas em me desobedecer?
- Mas eu não... Eu jamais quis desagradá-lo, meu senhor. - Respondeu, a voz tremendo, revelando o medo que a possuía.
- Não? Claro, que não! Você me serve lealmente, certo Dríade? - A mão continuava a passar pelos cabelos da fada, desembaraçando os pequenos nós.
- Sempre, meu senhor.
- Jura por seu nome que só me conta a verdade?
Sentiu um nó formar-se em sua garganta, não poderia negar um juramento ao seu mestre. Porém o que as fadas tinham de mais valioso eram seus nomes, ele era sua essência, sua vida e sua liberdade, quem soubesse o nome verdadeiro de uma fada teria total controle sobre ela. Jurar por seu nome era algo sem volta, fadas jamais podiam descumprir sua palavra, aquela poderia ser sua ruína. Engoliu em seco, preparando-se para o que poderia ser seu fim.
- Juro, juro pelo meu nome, meu senhor. - Respondeu por fim, rendida.
- Então, minha linda fada da floresta, conte-me, aonde vai quando foges do meu território?
Sentiu o impulso de mentir, de negar, mas sabia que era impossivel, seu próprio corpo lhe traia pelo poder do juramento e as palavras deslisaram por seus lábios da forma menos perigosa possivel.
- Ao mundo humano, meu senhor.
A mão em seu cabelo ficou pesada, puxando os fios, temeu o que aconteceria, mas a pressão parou e o lorde continuou a acariciar lhe de forma fatalmente lenta.
- O que vais fazer entre os homens, minha criança?
Ele parecia sibilar, aumentando seu terror quando as palavras pareciam correr para fora de seu corpo, os tratamentos gentis pareciam zombarias veladas. Como odiava que caçoassem dela.
- Me divertir, meu senhor.
Novamente um puxão em seus cabelos, doloroso o suficiente para confirmar o risco que corria, insuficiente para que gritasse de dor. Logo em seguida as carícias continuavam, como sempre foram.
- Como você, tão bela fada, diverte-se em um mundo sem cores como aquele?
Seu coração batia rápido, ela sentia-se começar a suar e nada nos gestos do ser que a punha em tal estado demonstrava que ele se preocupava, ou ao menos sabia, do que fazia com ela.
- Eu... Me divirto interagindo com eles, dançando com eles, seduzindo-os e os embriagando com minha magia, meu senhor.
- Sabes que isso é errado, não é minha cara? Não é errado mexer com os mortais?
- Sim. É, meu senhor.
Sua sentença estava dada, sua morte seria ali, sem piedade. Mordeu as bochechas para não gritar com o novo puxão de cabelo e sentiu o gosto azedo de seu sangue mágico cobrir sua língua.
- Você tem um favorito, minha ninfa desobediente?
O carinho voltara, suavizando a dor da ultima agressão e fazendo com que seus olhos queimassem, devido as lágrimas de terror, que ela não permitia cair.
- Tenho, sim, meu senhor. Aaah!
Não pode conter o grito, quando sentiu alguns fios se soltarem devido a novo puxão. Sentia sua nuca dolorida pela tortura.
- E por que ele é seu favorito, minha serva desleal?
A voz não mudava de tom, continuava carinhosa e afável, era impossivel prever o próximo movimento dele. Respirou fundo, tentando ganhar tempo, mas isso só serviu para receber um novo puxão, mas forte e agressivo que os outros, levantando sua cabeça e forçando-a para trás. Ela queria mentir, queria omitir, queria negar, queria não falar nada, mordeu a língua procurando engolir as palavras. Em vão, gritou a resposta em um voz sofrida, apertando os olhos para não chorar.
- Porque ele me ama e adora! Porque faz quadros em minha homenagem! Ele me venera e faria qualquer coisa por mim, meu senhor!
O puxão parou e ela sentiu a cabeça voltar ao colo gelado, a mão tornar a acariciar lhe, tornando impossivel conter as lágrimas que correram abundantes por sua face.
- Você está com medo de mim, Dríade?
- Sim, meu senhor. - As lágrimas, uma vez libertas, corriam ininterruptas, engrolando sua fala.
- Você deseja o meu perdão?
- Sim, meu senhor.
- Faria qualquer coisa para recuperar meu amor por ti, certo?
- Sim, meu senhor!
- Então, sabes o que terás de fazer, minha doce assassina?

Continua...

domingo, 9 de maio de 2010

A Dama das flores. - Cap.III

Estava sentado a mesa, tomando o café-da-manhã quando a porta de sua casa foi abruptamente aberta.
- Giovanni? Giovanni?! Acorda vagabundo! - A voz grave invadiu a casa, fazendo a cabeça do pintor doer ainda mais.
- Beto, tô na cozinha. - Respondeu, elevando a voz o mínimo necessário.
Logo a imagem de seu amigo, um homem negro de porte atlético, popularmente chamado de "armário", apareceu na porta da cozinha.
- Cara, cê tá nas tripas! Ressaca é? - O visitante puxou a cadeira em frente à do pintor e sentou. - Foi pra farra ontem? - Mantinha a mostra um sorriso de dentes brilhantes e não diminuia o tom de voz.
- Porra, cala a boca. - O loiro lançou um olhar mortal ao amigo. - Sim, estou de ressaca, não, não fui pra farra.
- Ué, deu pra encher a cara sozinho?
Roberto era o típico brasileiro, alegre e farrista, estava na faixa dos 30 anos e era sócio de uma boate no Rio de Janeiro. Ele e Giovanni se conheceram no colegial, e mantiveram a amizade desde então.
- Ah, cara, não enche, não tô bem. - O pintor era conhecidamente azedo e isso parecia multiplicar-se exponencialmente em seu atual estado. - Você sabe muito bem o que me deixa assim.
- Ah, foi ela? - Perguntou o amigo, ignorando a ofensa do outro.
- Claro que foi ela! - Respondeu, irritado com a lerdeza do outro.
- Porra, cara, assim não dá! Toda vez que você se encontra com essa mulher você
termina assim, essa garota te droga, não é possivel. - Ele demonstrava verdadeira preocupação pelo amigo.
- Não, cara, ela não me droga e não é uma mulher ou uma garota...
- Ih, não sabia dessa sua preferência, não, cara. - Não resistiu a implicar.
- Não venha falar de mim, quando o público da "Ninfotopia" é reconhecidamente GLS. - Retrucou Giovanni, antes de tomar mais um gole do café forte em sua xícara.
- Isso é um jogo, cara, esse público dá uma boa grana! - O sorriso voltou ao rosto de Roberto, que mexeu as sombrancelhas de forma marota.
- Quem te conhece que te compre. Quando estiver pronto pra assumir, pode deixar que não vai abalar nossa amizade. - O café já fazia efeito, melhorando seu estado, e implicar com o amigo sempre lhe fizera bem.
- Ha-ha-ha, continue pintando, que como comediante seu futuro é trágico. Mas e essa aí, como você chama ela? Thaleia? - O outro apenas acenou em concordância. - Não sabe nem o nome... Enfim se não é mulher, nem homem, o que seria?
- Ela não é que ela não seja uma mulher, ela não é humana... É uma musa, uma deusa, um ser mági...
- Tô falando que ela te droga, olha aí, tá viajando. - Interropeu o outro. - Daqui a pouco tá por aí gritando que acredita em fadas.
- Não, amigo, de seres purpurinados em minha vida me basta você. - respondeu, encarando um dedo do meio em riste como retribuição. Giovanni abriu um sorriso vitorioso, antes de continuar. - Cara, eu sei que parece loucura, mas você se lembra de como era antes. Meus desenhos não tinham nada de especiais, eram péssimos...
- Não eram péssi...
- Não me interrompa, sim, eram péssimos. Até que eu a conheci, numa noite, lá no Rio. Ela apareceu como uma morena linda, de uns 20 e poucos anos, areia de mais pro meu caminhãozinho de estudante do colegial de 17 anos. Mas a gata se interessou em mim e a gente ficou, foi uma noite incrivel, cara! Mas ela, como sempre, sumiu antes de que eu acordasse, deixando uma flor vermelha na cama, e eu acordei com uma puta inspiração e fiz o meu primeiro desenho digno.
- Uma morena usando uma roupa colada, com um arco-íris em volta, bem gay, eu lembro.
Preferiu deixar o comentário do amigo passar e continuar a explicação.
- Desde então ela torna a aparecer, a forma é sempre diferente, mas a flor e a sensação é sempre a mesma.
- Cara, eu ainda acho que isso é doideira, uma garota que muda de forma? É o sonho de qualquer cara, mil mulheres em uma.
- Estou falando sério, lembra que não tava conseguindo desenhar nada? - O outro apenas confirmou com a cabeça. - Olha isso. - puxou a o bloco de folhas, que havia deixado na bancada da cozinha, e mostrou o desenho, que havia feito mais cedo.
- Uou, que gracinha! É, tá confirmado. - O negro manteve o silêncio por um tempo, fazendo o amigo acreditar que ele tinha se convêncido. - Você precisa de sexo pra desenhar bem, essa foi a de ontem?
O loiro abaixou a cabeça, como que desistindo de explicar algo ao amigo.
- Essa foi a forma de ontem. - Roberto revirou os olhos ao ouvi-lo insistir no papo de magia. - Cara, presta atenção, eu já transei com várias outras mulheres, mas só com ela isso acontece.
Não era prepotência ou orgulho. A combinação pintor, mais inteligente, mais culto, mais rico, fazia-o ter um charme especial, mesmo que não seguisse nenhum padrão de beleza e fosse sarcástico ao extremo, muitas mulheres se interessavam por ele. E um solteiro de 25 anos, aproveitava, claro.
- Aham, claro, várias outras mulheres. Valeu cara, se você acha que tem uma musa mágica te inspirando, vai nessa, se te faz feliz.
- Enfim, você veio aqui por algum outro motivo alem de gritar no meu ouvido e quadruplicar minha dor de cabeça? - Perguntou Giovanni, massageando as temporas.
- Hãn? Ah, sim. Vim perguntar se topa uma cavalgada antes de voltarmos pra cidade?
- Cara, esse clube tá te fazendo mal.
- Blá, fresquinho, o ar das montanhas vai é te fazer bem! Tá com medo de eu te deixar pra trás e você se perder nas montanhas? Bora, viado, vamos deixar nossas coisas lá na Parada do Pastel. cavalgamos até o escorrega, damos um mergulho pra purificar nossa energia...
- Você não entendeu nada... - Debochou do amigo enquanto comia uma maçã com a esperança de que a mesma não resolvesse voltar, devido ao enjôo.
- Não brinca com o que não conhece. - Ralhou o negro, apertando o pingente de ferro, em formato de adaga, que trazia pendurado por uma corrente.
- E você conhece, né, sua bicha? - Cheque-mate.
- Ah, cala a boca. Enfim, depois voltamos, comemos algo em Maringá mesmo e pegamos o ônibus.
O loiro ainda ficou ponderando por um tempo. Estava um dia bonito, não muito quente e a região de Visconde de Mauá era realmente belíssima, capaz de inspirar qualquer um a criar das mais belas obras de arte. Por fim, aceitou a proposta do amigo, indo arrumar suas malas e se preparar para o passeio.

Quando terminou o amigo já o esperava do lado de fora da residência, montado em um imenso cavalo de pelo castanho e olhos num curioso tom de verde, com uma égua branca, um pouco menor, do lado.
Seguiram para o seu útilmo dia naquela temporada nas montanhas e aproveitaram para pegar os telefones de duas cariocas. Elas estavam passando as férias ali e cursavam o penúltimo período da faculdade de biologia.




Continua... Cachoeira do Escorrega - Maringa -RJ/MG

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Dama das Flores - Cap. II

O sol já nascia quando ela chegou a sua morada. Tocou o tronco do eucálipto centenário e respirou fundo o ar úmido da floresta cheia de orvalho, antes de soprar suavemente em um pequeno nó no tronco. Rapidamente, as raizes pareceram se abrir, mostrando um tunel pequeno de mais para que uma criança passa-se. Ela colocou os dois pés na abertura e se sentiu sugada para dentro do corpo da árvore, deixou-se cair levemente, até pousar no chão de terra, como um felino.
Ouviu um som de palmas ritmadas e olhou para trás, onde se localizava um imenso portão de madeira, decorado com prata e ouro. A sua frente estava um ser de aparência, elfica, mais alto do que ela, magro, de longos e lisos cabelos negros, vestia uma armadura negra, de couro, semelhante a dos centuriões romanos, com um pássaro dourado estampado no peito. Em suas costas, pesava uma montante tão grande que precisava ficar na diagonal, para não tocar ao chão, e seu portador tinha mais de dois metros de altura. O homem semi-cerrou os olhos, totalmente negros, antes de falar num tom jocoso, sua voz toniturante ecoando no tunel de terra onde estavam.


- Divertiu-se com seu humano?


- Muito e você, gostou de assistir? - Ela respondeu afiada, sem demonstrar grandes emoções.


- Fiquei enojado, se me permite dizer. - Ele retrucou, rindo maldosamente.


- Não me importo, nem um pouco, com o que pensa.


- É, eu sei. Porém, ainda não cabe a minha compreensão, o que aquele ser futíl, possui. Que faça-o merecer sua atenção.


- Ele me adora e me imortaliza, nas mais diversas formas que posso assumir, diga-me se isso não é adoravel? - Ela ria, seus olhos brilhando pelo jogo de palavras.


- Sua maldita narcisista.


- Ciúmes? - Jogou uma mecha dos cabelos para trás, dando um passo a frente.


- Um pouco. - ele retrucou, terminando com a distância entre os dois.
- Não se preocupe, sempre terás seu lugar no meu coração. - Ela concluiu, levando uma mão ao belo rosto dele e acariciando-o levemente.


- É uma promessa? - Ele acompanhou a brincadeira, enlançando a cintura dela com seus braços.


- Talvez... - Respondeu, aproximando seus rostos.


- Sua sacana provocante. - Ele concluiu, soltando-a, riu um pouco e ela o acompanhou.
- Ah, por que tinha que parar? Estava divertido!
- Você é o pior dos seres, Driade.
- Lisongeio, mas ainda há muitos a quem devo superar. - A morena agradeceu, com uma reverência.
- Vá logo para o seu quarto.
- Sim senhor, meu capitão! - Respondeu batendo continência. - Fica aqui até quando?
- Até o sol se por, acabei de assumir o posto, agora vá. - Ordenou novamente, abrindo o portão
- Me sinto tão protegida. - Ela concluiu, apertando a bunda dele, quando passou.

- Bom dia, capitão da guarda. - Antes que o portão terminasse de fechar, ela gritou.- Você fica ridiculo com essa armadura!


- Vá! - Ele gritou em resposta, empurrando o portão e assim acelerando o movimento deste. Não poderia ouvir no momento, mas tinha certeza de que ela estava rindo.


Do lado de dentro daquele esconderijo, se abria um imenso salão de chão negro, sustentado por pilares de estilo clássico. A garota parou de rir e observou o ambiente, vários corpos estavam deitados pelo chão, talvez houvesse algum morto, ela não tinha certeza. A maioria dormia, eram os bêbados remanescentes de mais um baile de sua corte. Torceu o nariz em desgosto, aquilo era nojento, pulou os corpos sem dar atenção a ninguem em particular. Chegou a imensa mesa de mármore do outro lado do salão. Em meio ao que restara do banquete, havia uma tingela de prata, transbordando de frutas parecidas com tâmaras secas, a garota sorriu, pegando a travessa e seguindo para a saida do salão. Havia acabado de entrar no corredor, quando ouviu uma voz chamá-la:


- Driade, você saiu de novo? - Era uma voz feminina rouca e vinha em tom de repreensão.


- Oi pra você também, vovó. - A fada respondeu, com sarcasmo, a criatura a sua frente.


Era uma mulher idosa e baixinha, com cara e pés de coruja, e braços muito finos. Os grandes olhos dourados, com pequenos pontos negros, possuiam um brilho de repreensão.


- Sai e passa dois dias fora, se divertindo com os homens, vai ser pega! Um dia será capturada, descobrirão você e será aprisionada em uma gaiola de ferro, com vários mortais sabendo seu nome e gritando-o, ordenando-a que se humilhe. - a velhinha dizia, apontando um dedo parecido com um graveto para a mais jovem.


Ela balançou a cabeça e comeu uma das frutas, antes de abraçar a senhorinha com o braço livre.


- Vovó, se acalme, se nem entre as fadas conhecem meu nome, acha que humanos o descobririam? - Ela beijou a testa da senhorinha. - A senhora, que é a mais inteligente criatura que eu conheço, ainda me chama de Driade! - Disse com tom de adulação, antes de completar em pensamento: "Além do mais, ninguem poderia me fazer sofrer mais do que vocês."


- Coisa que você não é, sua pirralha bajuladora! Driades não dão trabalho a fadas velhas, ficam quietas perto de suas árvores! - As palavras duras se uniram ao o tom repressor. - Vá dormir, vá, que mais tarde, já sabe o que te aguarda.

A garota torceu o nariz, numa expressão de desgosto pelas palavras, deixando a encenação de boa moça de lado.
- Com licença. - Falou friamente, passando ao lado da outra fada e seguindo seu caminho, a passos duros.
A fada idosa balançou a cabeça em negação, aquela garota só dava problemas.




Continua...




N/a.: Pra quem Lê essa história, desculpem o atraso na postagem.