domingo, 25 de abril de 2010

A Dama das Flores - Cap. I

Ele acordou horas depois, destruido como se por uma ressaca brutal, sentia seus olhos pesarem e doerem, mesmo fechados, diante da luz que invadia o quarto pela imensa janela de vidro. Estava morrendo de fome e não se lembrava do que havia feito para ficar assim. Rolou um pouco na cama, sentindo-a grande de mais para uma só pessoa, até que percebeu sua mão bater em algo de consistência macia, as petálas de uma flor. Abriu os olhos rapidamente, arrependendo-se em seguida do feito, ao sentir o ambiente girar e sua cabeça como se fosse explodir, encolheu-se de dor por um instante e então olhou para a flor em suas mãos, uma linda camélia rubra como sangue. Era a marca dela, aspirou o cheiro dela e, como mágica, as lembranças voltarão a sua mente:


"Era tarde da noite e ele se encontrava desesperado, sem conseguir sequer esboçar um novo desenho. Quando a campainha tocou, ele ficou surpreso, ninguem costumava visitá-lo, não ali. Foi até a porta e olhou pelo olho mágico, receoso, nunca se sabe que tipos de malucos tem por ai. Mas o que viu foi uma garota pequena, provavelmente com metade da sua idade, loirinha e inofensiva, ela parecia nervosa, abriu a porta.




- Acho que você se enganou de casa. - Falou sério, analisando a garota, que parecia arrumada




para uma festa, com muita maquiagem e salto alto.




- E-eu estou perdida, não sei como vim parar aqui, nem sei como voltar. - Ela caiu no choro, deixando-o desarmado.




Agora tudo fazia sentido, era comum pessoas se perderem por ali, ainda mais na época de férias, em que os adolescentes vinham aos montes acampar nas montanhas. Volta e meia um grupo se perdia, mas nunca tinha acontecido de baterem na sua porta, ainda mais uma garota sozinha.




- Acalme-se. - Ele procurou usar um tom reconfortante, e pareceu ter sucesso, uma vez que as lágrimas pararam, apesar dela continuar a soluçar. - Eu vou te ajudar. Você é uma turista, certo? - Ela afirmou com um movimento de cabeça, os olhos baixos, parecia tão indefesa. Ele sentiu vontade de revirar os olhos, aquelas coisas só aconteciam com ele. - Onde esta hospedada?




- Bem... bem, eu estou acampando, mas... - A voz dela era agradavel, apesar do tom choroso com que falava.




- Não lembra do nome do lugar? - Ela tornou a manear a cabeça, prestes a cair novamente no choro, algo que ele não ia suportar, odiava ver mulheres chorando.

- Calma, isso é mais comum do que parece, por que você não entra e liga para alguem?


- Sinto muito incomodar. - Ela parecia realmente sentida, os olhos castanhos brilhavam pelas lágrimas contidadas, era adoravel."




Depois disso só lembrava dela no telefone, a desculpa de não conseguir falar com ninguem, o convite para que dormisse ali, duas taças de vinho e uma noite deliciosa. Como fora idiota! O que uma patricinha como aquela faria no meio do nada em que morava? Ainda mais com aquelas roupas e ele nem havia ouvido o som de um carro ou algo do tipo. Sua musa era um ser arteiro, nunca conseguiria pegá-la, nunca conseguira vê-la na forma verdadeira, ela mudava de aparência a cada encontro. Mas a flor era sempre a mesma, o sentimento de ressaca era parecido e a inspiração gerada por esses encontros era o que lhe permitia ainda pintar.




Aspirou o perfume da flor novamente, antes de pegar o bloco de folhas ao lado da cama e começar a desenhar. Surgiu a imagem de uma garota como a da noite anterior, usando um vestido esvoaçante, caida no meio de uma floresta escura, os olhos brilhantes, de lágrimas não derramadas e a maquiagem meio borrada. Parecia tão real, ela parecia tão fragíl, era perfeito.




- Thaleia, quando se mostrará realmente para mim? - Perguntou, ao fim do desenho, olhando para a mascara que ela usara daquela vez.




Nunca soube o nome de sua musa, por isso decidiu apelidadá-la de Thaleia, conhecida como "A que faz brotar flores", a musa grega da comédia, pois ela parecia divertir-se em iludibriá-lo.


Continua...







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